sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Botija

Faço ferver a água na chaleira sonora e, com mil cuidados, encho a botija. Vejo o saco ficar bojudo, abraço-o e enfio-o na cama. Traz-me memórias. Oiço a minha avó recomendar cuidado, o meu pai insistir para, depois de enchermos as botijas, voltarmos a repor na panela de ferro, junto ao fogo, a água retirada. O perigo, dizia sempre, era que a panela rebentasse. Nunca rebentou, mas faz parte das minhas memórias de criança o ritual do encher das botijas de  cada um de nós, cada uma - (o meu irmão não tinha, acho que os rapazes não podiam ter frio) - tinha o seu saco de cor diferente. Tive amarelas, azuis e muitas cor-de-rosa. Muitas vezes, na solidão gelada da noite, feita de muitos frios diferentes, puxava a botija e abraçava-me a ela tentando aquecer-me para além do corpo. Depois, durante a noite, a água arrefecia e eu deitava-a para o chão. De manhã lá ficava, caída, sem que eu lhe ligasse nenhuma.
Esta noite, quando o vento assobia forte e a chuva cai torrencial, volto a encher a botija. De novo é cor-de-rosa, de novo a abraço para afastar fantasmas. Esta noite, não a deito fora, não a abandono. Se for preciso, voltarei a enchê-la mas não a vou largar! Sabe-me tão bem a presença quente das minhas memórias...

1 comentário:

  1. Que bom! Ainda bem que me lembrou também...
    Esta noite vou encher o meu! Mas o meu é azul...

    Para o saco não ficar bojudo, a minha avó mandava-me tirar o ar com jeitinho para não sair água e me queimasse.Saudades!
    Abraço.

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