terça-feira, 11 de agosto de 2015

O PRESENTE

Entrou em casa com as mãos atrás das costas e encontrou-a na cozinha. Tinha colocado o grande avental vermelho e, no nariz bronzeado, havia farinha. Reparou nas rugas em torno dos olhos, nalguns cabelos brancos que fugiam do elástico com que prendera o rabo de cavalo e sorriu-lhe. Para ele, cada ruga fazia sentido e ela era, ainda, a miúda por quem há muitos anos se apaixonara.
 Trago-te um presente. Ela levantou para ele os olhos escuros e sorridentes. Vou adivinhar... Trazes-me chocolates, after eight!! Ele não se mexeu. Frio, muito frio... chocolate não é presente, é gulodice. Ela, esquecendo as mãos sujas, levou-as à testa. Era agora um olhar enfarinhado que insistia: Então, trazes-me flores! Já sei, trazes a rosa amarela do quintal! Frio, muito frio... A rosa continua lá, no lugar dela. Sabemos os dois que há coisas que são sempre mais belas no lugar de origem. Ela ofereceu-lhe um sorriso total e rendeu-se. Desisto! O que me trazes? Ele abraçou-a, sentiu a camisa de linho encher-se de farinha e apertou-a junto ao coração. Trago-te a mim, inteiro e total, para um abraço eterno. Sentiu as lágrimas mornas molharem-lhe a camisa, mas nem pensou que a farinha daria agora uma papa...

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