terça-feira, 17 de setembro de 2019

JÁ NÃO HÁ CHEIROS

O céu fez-se de chumbo e ela, junto à janela, desfiava sonhos, memórias também. Setembro costumava ser o tempo dos cheiros, na velha casa. A marmelada enchia a varanda, papel vegetal por cima, para secar, as pevides de abóbora sujando o chão enquanto o doce, lume fraquinho, se fazia no fogão de seis bocas. De repente, vinham os miúdos da escola recém recomeçada, cheios de histórias para contar, de novidades, de dúvidas para esclarecer. Num instante as taças de marmelada marcadas por dedos gulosos, as pevides pisadas por pés descuidados. Depois, os banhos, as brigas infantis, e o jantar à mesa grande, conversas simultâneas e cruzadas. Com as crianças na cama, era o tempo dela e dele. Os dois olhavam o Alentejo ignorando que ali na esquina, bem perto, estava o futuro agora presente. Falavam dos filhos pequenos, das urgências que, hoje, lhe pareciam tão pouco significativas.
Esses eram outros Setembros.
Hoje, já não há cheiros e a solidão escorre nas paredes. 

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