domingo, 25 de setembro de 2011

Tu

Sei que estás aí. Sinto-te nas páginas dos livros que releio, percebo-te a espreitar os poemas em que me embrulho quando a noite chega, total e negra, e a televisão fala de coisas  que não me interessam. Sei que me escutas, que me sentes como eu te sinto, que me adivinhas também. Tu és a minha companhia solitária, o meu ouvinte disponível, o meu conselheiro sempre calado. Tu chegas quando a insónio dói demais, quando os medos são terríveis, quando as lágrimas insistem em correr. Tu sabes que tento calar o desespero, que me esforço por compreender o que vejo como aberrações, que me comovem os tons do outono e o cheiro da maresia. Tu sabes, também, que teci a minha existência com afectos e plenitudes.
Talvez devesses ter-me travado, talvez devesses ter-me amarrado à realidade, talvez devesses ter-me mostrado que os sonhos se fazem de desilusões também. Talvez. Mas, sabes, ainda bem que não o fizeste. Ainda bem que ficaste só por perto, ombro constante, sem discursos de conveniência que nada me diriam. Tu conheces-me, tu sabes que converso com as ausências que doem sempre, que gosto de pisar os ouriços para morder as castanhas que têm aquela pele azeda que me faz tossir. Tu sabes que tentar formatar-me, tentar adaptar-me à norma, seria matar-me aos poucos. Tu estás aí, e estás aqui sempre. Obrigada por nunca seres eles.

2 comentários:

  1. Nunca estamos sós.Nunca estará só, quem tem a capacidade de rezar deste modo.
    Tem muitos lados bons a solidão.
    Uma boa semana de ensino e de acontecimentos belíssimos...

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  2. Não sei quem é esse Tu mas é, certamente, um Tu que a conhece, que a compreende, que a entende, que sabe o que é melhor para Si.
    Se todos tivéssemos um Tu desses, se soubéssemos escutar esse Tu, talvez a vida não fosse tão má, talvez houvesse mais paz, mais tranquilidade, mais entendimento.
    Cumprimentos.

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