sexta-feira, 11 de abril de 2014

Gerações

Não tenho dado pelo tempo passar. Não tenho vontade de voltar a ter vinte anos, gosto muito da minha idade, e gosto de olhar filhas e netas pensando na mudança e na sucessão das gerações.
Também fui neta, e adorava as minhas avós! Delas tenho recordações vivas, memórias ternas e muitos saberes. A minha avó Carolina, que morreu era eu ainda miúda, dava-me pão com manteiga e açúcar amarelo e, juro, nunca comi pitéu maior. Em casa dela havia um gato preto, de grandes olhos luzidios, que tinha assento no colo fofo da minha avó e protestava, chegando a assustar-me, quando ela o punha no chão para nos mimar a nós. Tinha o cabelo cinzento, a avó Carolina, e cheirava sempre a doce, a leite de creme e a arroz doce. Em casa dela as escadas eram lisinhas, acho que tudo era lisinho lá, e eu podia chegar à porta descendo de rabo nos degraus como se tivesse um carrossel privado.
A minha outra avó, Leonor, morreu velhinha velhinha, era já eu mãe, e cheirava sempre a tokalon. Sabia muitas histórias de militares, o pai dela fora general, e gostava de contar que era prima do Ricardo Ivens, aquele mesmo que vinha no meu livro de história. Esta avó gostava de dançar, ouvia as minhas confissões apaixonadas e sabia pôr a mesa com muito requinte. O pior desta avó, de olhos muito azuis e pele suave, era a mania de dizer "mulher para ser bela, tem de sofrer".... Já eu jovem indignava-me, mas ela mantinha  a sua opinião e vá de encher a cabeça branca de papelotes bem apertados antes de ir dormir.
Agora, com a Páscoa a chegar e as minhas netas perto de mim, sinto mais viva a ausência das minhas avós. O que lembrarão de mim a Carlota e a Constança? Que memórias guardará de mim o meu Manuel Bernardo, o meu neto homem? Queria ser capaz de lhes ensinar a ternura do por-do-sol, o sabor do amanhecer, o carinho da velha casa amarela onde vêm de longe a longe. 
Agora, neste desfiar de memórias, percebo que o Tempo passa mesmo e que, para que não doa muito na passagem, é preciso que a ternura aconteça a cada momento. Agora, olhando a cidade lá em baixo, esperando que todos cheguem para encherem de barulho vivo este espaço, percebo que adiar presença e carinho não pode, nunca, fazer sentido para mim! Aqui, na varanda de tantas conversas, sinto as minhas avós e o meu Pai também. De repente, o Tempo faz sentido agora. E estou bem aqui conversando com o passado, antevivendo o presente e ignorando o futuro.

1 comentário:

  1. Um texto absolutamente fantástico! se as suas netas herdarem a sua sensibilidade serão umas sortudas!
    António

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