quarta-feira, 8 de agosto de 2018

DE NOITE

Não adianta fechar a janela, a angústia não conhece a resistência dos estores, a opacidade do vidro. Por isso ela fica olhando a noite, ouvindo a sonora sucessão de segundos, deixando que os olhos se habituem à escuridão como o coração se adapta à tristeza. 
Podia ser tudo diferente. Claro! Pode sempre ser diferente porque, quando fazemos uma escolha, rejeitamos uma montanha de oportunidades. 
Mas não tinha sido diferente, era igual. Era uma noite de tristeza angustiada, um receio do amanhã que sempre chega. O relógio insistia, somando segundos, numa corrida louca. Ela não queria olhar para trás. De que serve o passado "roubado na algibeira" se não podes transformá-lo? Não queria o futuro sequer. O presente bastava, magoando, feito de silêncio e escuridão. 
Podia partir, claro. É sempre possível partir. Mas cada partida acontece prenhe de um retorno e era do retorno que também fugia. Se tivesse sido de outro modo. Mas tinha baús cheios de ses e nada poderia jamais fazer com eles.
Deu mais uma volta. Colchão com cova, já velho e a pedir reforma. Ficou no meio olhando o tecto, virando costas à janela aberta. Sentia a alma, ou a energia, a querer ir-se, devagarinho. Respirou fundo. Tanta tristeza por dizer...

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