terça-feira, 13 de setembro de 2011

Travessias espinhudas

É noite, tarde, e a lua gorda enche o céu. O carro roda com calma, parecendo ter vontade, ele também, de parar o tempo, de prolongar os quilómetros que se fazem de paz. Como se fosse possível fazer uma viagem eterna, sem chegada, sem destino, fuga a uma realidade incómoda. Por cenário, o Alentejo adormecido, a terra gretada, o perfume de um Verão atrasado que incomoda já. Ela carrega um dia longo, cheio de trabalho e desilusões, de fúrias adiadas porque desnecessárias. Abre o vidro e desliga o ar condicionado, gosta do cheiro da terra, da força que a faz sentir-se parte de alguma coisa. Não gosta do cansaço extremo, detesta o calor de Setembro, e aproveita agora os quilómetros, mais de cem, que a separam de casa. No rádio enfia um CD, Rodrigo Leão, e deixa-se levar pelo ritmo que a embala, lhe oferece outras paisagens, que lhe sugere outros possíveis. Quase não há carros a cruzar a estrada, a hora é de recolhimento, e ela repara num ouriço que atravessa o alcatrão negro. Desvia-se. Atropelar o bicho, só mesmo por um grande azar. Repara na bola de espinhos, tonta com os faróis do automóvel, e ri-se sozinha. Também a ela daria jeito, muitas vezes, ter uma carapaça espinhuda, uma proteção eficaz contra as agressões que a vida lhe fazia.

3 comentários:

  1. Mas a mesma carapaça que protegeria, também afastaria...
    Um abraço

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  2. A carapaça, às vezes, dá jeito. A capa, essa, sempre dá para escapar mas, casca grossa não convém ter ou ser, de modo nenhum...

    Cumprimentos.

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