domingo, 9 de março de 2014

DOMINGO

E é domingo. A preguiça encomprida-se, o céu cinzento embrulha a alma e a vontade de sonhar entra de mansinho, sapatos de algodão, impedindo a realidade de chegar. Oiço-as discutir. A vontade de sonhar impõe-se, empurra a realidade para longe, para o amanhã daqui a bocadinho, quase segunda-feira, e ganha espaço. O quarto enche-se de farrapos bons, viagens felizes, projectos eternos, memórias e ambições. Não há lugar a resgates, a guerras injustas (todas as guerras são injustas), a imposições de solidão. É domingo. Lá fora há já rouxinóis sonoros e o cuco insiste em martelar o tempo. Ecoa em mim a cantilena decorada "cuco milharuco, cuco da ribeira, diz-me quantos anos me dás solteira". Que vontade tinham as raparigas de casar.., Quantas ilusões cantadas! 
Sem tempos obrigatórios, desligando os irritantes telemóveis, saio para o quintal. É preciso renovar a cameleira roubada, regar a que restou que, tristemente, protesta a solidão em que ficou. A vida a pares faz mais sentido, garante-me ela. Reparo nos botões a abrir, crianças temendo a vida, e empurro o cão para longe para não incomodar a plantinha sofrida. É domingo! Concedo-me o luxo de não ver gente, de não ouvir notícias, e concluo que a vida é muito melhor agora, em tempo de preguiça solitária.

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