terça-feira, 23 de abril de 2019

DIA DO LIVRO

Os livros sempre foram, e continuam sendo, os meus mais constantes companheiros. Em miúda, lia na janela do sótão, da casa que já não é, fugindo às arrelias dos meus irmãos, cultivando o meu vício de ser sozinha. Comecei pela condessa de Ségur, pela Enid Blyton, deliciando-me com o Colégio das Quatro Torres, com as aventuras dos cinco. Seguiram-se as Mulherzinhas, chorava com elas, ria-me, vivia as suas ilusões. Num instante, perdi-me de amores pelo Júlio Dinis, pelo Garrett, pelo Eça. Quantas vezes terei relido O Primo Basílio? Vivia no meu mundo, com as minhas personagens feitas gente real, trocando opiniões e partilhando com elas pensares e sentires.
Já mais  velha, foram os escritores franceses que me cativaram. As Memórias de Adriano, a escrita mágica e tão intensa de Yourcenar, o realismo de  Flaubert, as ousadias de Sartre, fizeram-me repensar a minha opção e, a dada altura, pensei em transferir-me para Filosofia. Foi pensamento de pouca dura porque, num instante, o meu pai me informou que filosofia era para malucos e eu de doidice já estava bem abastecida. 
Foi já na faculdade que conheci Agustina e Pessoa. Sem nada que aparentemente os  aproxime, os dois  tornaram-se  presenças constantes na minha cabeceira. 
Já mulher, foi Sophia a criar comigo, ou eu com ela, uma cumplicidade intensa, feita de rima e métrica, sem vírgulas ou exclamações.
Teria aí os meus quarenta anos, esbarrei, por mero acaso, com o Ultimo Cais da Helena Marques. Marcos tornou-se o meu herói, a Madeira um lugar de sonho… Gosto de voltar, com muita frequência, ao Último Cais. Ainda que, vezes demais, sinta que vivo no meu último cais. 
Já professora, o programa de português que lecionava impôs-me Saramago. Foi uma descoberta tardia. Talvez seja o único autor de quem queria não gostar… Sem êxito! Gosto de ler Saramago, comovo-me com a ternura agressiva, delicio-me com o sarcasmo oportuno, espanto-me com a originalidade. As vozes de Saramago falam comigo. Vezes demais, penso às vezes. Régio foi, também, uma revelação tardia. Não fazia parte dos programas e eu, erradamente, achava-o escuro e complexo. Como o acho agora claro e intenso! 
Associo livros, personagens, passagens que sei de cor, a momentos de vida. Oiço o Zezé e o Portuga, no Meu Pé de Laranja Lima, sempre que recupero, na memória, as noites das minhas filhas pequenas quando, acreditando ser capaz de escrever uma narrativa de vida com final feliz, lhes lia ao adormecer.
Daniel Pennac disse que "Nós somos o resultado das nossas leituras" e eu sou, creio, a prova disso. 

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