segunda-feira, 8 de julho de 2013

A CASA


Gostava de chegar a casa, de colocar o chapéu de palha, de calçar sapatos bem rasos, e de gozar o jardim. Era sempre assim, no Verão. A Casa que a vira nascer, o lugar onde aprendera a andar, os recantos onde deixara correr tantas lágrimas de desilusão, revolta, raiva e dor, era ainda o seu ponto de abrigo. Por isso, acabada de sofrer mais um desmoronamento emocional, com o coração feito em estilhaços impossíveis de consertar, era em Casa que se refugiava.
Porque o calor era muito, tirou o velho chapéu e dedicou-se à rega. Com calma e paciência inundava os canteiros das hortenses, refrescava as roseiras e divertia-se a perseguir com o jacto forte as lagartixas verdes. Sem o chapéu, as ideias ferviam mais ainda e as mágoas, as mais recentes, faziam doer. Olhava então a Casa, pensando como lhe era importante ter um lugar para ser, um espaço sem devassas, um canto onde podia existir sem, de repente, se considerar a mais ou incómoda.
Com o cão por companhia, ganindo a cada lágrima mais gorda numa cumplicidade perfeita, pensava nas voltas da vida, nas muitas perdas, nas desilusões constantes. Tinha o coração cheio de coisa nenhuma. Coisas que haviam sido grandes e que, agora, nada eram. Pensava noutras casas, que julgara suas, e a raiva crescia a par com a revolta desiludida. A idade, se calhar ao contrário do que devia, ensinara-lhe que é importante a privacidade, a possibilidade de fechar portas e deixar a cama por fazer, a roupa no armário, o cesto com roupa suja que só nós poderemos lavar.
O cão chamava-a ansioso. Levada pelos pensamentos esquecera a mangueira e, agora, a nogueira estava toda enlameada... Virou a direcção do jacto lamentando não poder, com idêntica facilidade, alterar a direcção dos sentires!
 

11 comentários:

  1. É de facto muito importante termos o nosso canto, um lugar onde o coração possa estar em Casa!

    Ana

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  2. Este cão tem um ar inteligente! Será que não podia propô-lo para o governo?!

    Fernando

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    1. Acha que eu seria capaz de fazer uma maldade dessas ao meu cão? Obrigá-lo a conviver com os políticos nacionais?! NUNCA!! Nem ele merece tal violência...
      Luísa

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  3. Eu estou cansada de te dizer que os cães são MUITO mais leais e cúmplices do que os homens!

    Lena

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  4. Setôra, nem sei o que lhe hei-de dizer. Porque é que está triste? O seu PP até está a mandar no país. Não gosto de ler quando está triste!

    João

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  5. Texto muito bonito! A casa (a nossa)é nossa, tem sítios onde podemos rir e sítios onde nos escondemos, ou defendemos...
    Quando quiseres, também tens aqui uma casa de gente que te quer bem!
    E tens um quartinho-biblioteca só para ti, cheio de livros!
    Beijinhos

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  6. Pronto...lá a Setôra afoga a Nogueira que dá nome à casinha !! Ai , se não fosse o cãozinho!, a Setôra anda sempre a pensar no passado!
    Que delícia um chapéu de palha e uma casinha com hortenses só para nós! Fora a tal piscina de que tem falado, onde se reflectem as luzes da noite e a própria lua!!
    Então isto tudo não será o caminho base para a felicidade?!

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