quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A CAIXA

Foi um amigo que a trouxe. Tinha ficado para trás, esquecida, talvez deliberadamente abandonada pelo desejo de iludir um passado perdido, de ignorar muitas memórias irrecuperáveis. Mas encontraram-na e, com carinho, devolveram-na. Ela aceitou-a - tão cheia! - atada com uma corda para que a tampa não saltasse. Deixou-a ali, no hall, a um canto, tentando ignorar a presença incómoda. Mas a caixa gritava presente, provocante e abusadora. Finalmente, ela cedeu. Arrastou a caixa enorme até à sala e sentou-se no chão. Tantos momentos que surgiram, brutal e violentamente. Ali estava o casamento, as filhas pequenas, os passeios pelo mundo, o Pai sorrindo. Aqui estava ela, tão jovem, sorrindo, feliz, a assinar os seus livros. O primo já morto a olhá-la com ternura, os amigos presentes a abraçá-la. Depois, as cartas. Tantas promessas traídas, tanto amor dito e não concretizado, tantos sonhos feitos espuma de coisa nenhuma. Não sentia a dor dos joelhos dobrados, mas ardiam as lágrimas que faziam tremer a leitura. Porque vinha agora, tardiamente, o passado bater-lhe à porta? Porque não a deixava a vida cumprir o luto definitivo de tantas perdas? Talvez devesse queimar tudo, rasgar em mil pedaços as letras ocas, deitar a caixa enorme no lixo. Mas não tinha coragem. Sentia, apenas, uma dor imensa, funda, dilacerante. Uma dor tão forte que não permitia que as lágrimas secassem...
Porque é que aquele amigo tinha devolvido a caixa? Seria o presente a querer transformar o futuro?? Fosse como fosse, aproximava-se uma noite de insónia... Podia ter sido tudo tão diferente!!

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