terça-feira, 8 de dezembro de 2009

8 de Dezembro

Quando eu era miúda, quando, como diz o Poeta, "Festejavam o Dia dos meus Anos e ninguém estava morto", no dia 8 de Dezembro fazia-se o presépio lá em casa. O meu Pai, por ser feriado, estava em casa e saíamos com ele, no gelo da Serra, a arrancar tapetes de musgo. Levávamos cestos, cestos feitos pelo senhor António, de canastras que cheiravam intensamente, e mostrávamos uns aos outros, muito orgulhosos, os tapetes que conseguiamos arrancar, ficando as unhas negras, sem desfazer nada. Brigávamos também, irmãos com irmãos, ou por causa do tamanho dos tapetes conseguidos, ou pelo número dos mesmos, ou apenas porque sim. Depois, em casa, era a algazarra. Tiravam-se os bibelots de cima do móvel do canto, junto à lareira, protegia-se o fundo com jornais, e o meu pai, ajudado por nós, colocava o musgo dando início ao montar do Presépio. Havia serras, iamos buscar pedras, lagos, alisávamos muito bem pratas de chocolates da Regina, pontes, umas mais nicadas que outras, caminhos feitos com farinha, galinhas, pastores, ovelhas, árvores, e, no ponto mais visível, a cabana do Menino com os pais, uma vaca cinzenta sem cornos , que eu sempre achei ser um burro adaptado, e um burrinho castanho só com uma orelha. No cimo da cabana, presa com uma linha de pesca, transparente, o meu Pai punha uma estrela brilhante. Depois, perto, segurava-se o pinheiro cheio de resina dentro de um balde, e fazia-se a árvore de Natal. Então, penduravam-se chocolates que nos eram oferecidos. Acho que a Regina, nesta altura, devia ter muitos lucros...
Desde o dia 8 até ao Dia 25, ou melhor, à noite de 24, o Tempo era de ansiedade, de agitação, de cheiros diferentes, filhós, azevias, o recheio do perú que eu ainda hoje adoro. A mesa da sala de jantar estava sempre posta, havia bolo rei, e chegavam todos os dias perús que os doentes, e os amigos, ofereciam ao meu Pai. Eu, que até hoje detesto penosas, desaparecia da cozinha sempre que chegavam aqueles animais pretos de patas atadas, condenados à morte. Às vezes, de Belver, chegavam lampreias vivas, lembrando cobras e gerando gritaria entre nós, miúdos.
Hoje, quase 40 anos depois, estou em Cambridge, na Inglaterra das minhas leituras adolescentes, junto da minha filha e do meu primeiro (de muitos, espero) neto Manel Bernardo. Temos uma árvore de Natal, standard, mas ainda não temos Presépio. E eu também sinto falta do Presépio...

2 comentários:

  1. Que delicia de texto!
    Adoro o Natal também.O que eu me ri com a vaca sem cornos e o burro sem uma orelha.Só mesmo a senhora...que espírito!
    Por acaso os meus animais estão inteiros, mas o Menino Jesus falta-lhe uma mão, mas eu gosto sempre daquele, pois faz-me companhia há tantos anos, já chorou e riu comigo, já lhe pedi tantas coisas, já refilei também, tanto, com ele, que, nunca o substituirei...
    Mas as lampreias pela casa fora, que luxo. Quando vejo alguma lampreia viva, a seguir, já sei que alguém vai pagar alguns 60 Euros, para a ver mortinha na panela...
    Chocolates, escaceavam na minha meninice, mas os poucos que me lembram, também eram da Regina, mas tinha de desviar alguns tostões à minha avó, pois era esta que me "mimava"...
    Espero que sinta sempre a falta do Presépio.Conserve o seu lado de menina sempre.
    Adoraria estar em Londres a passar o Natal e a recordar-me das leituras de infância.
    Parabéns por este Natal!!

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  2. «Escasseavam» os chocolates...vê-se logo!

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