quinta-feira, 28 de março de 2019

METAS

"Deus fez o céu para justificar os pássaros", diz Mia Couto. Porque Deus sabe que sempre há uma causa menor, para a imensidão em que nos perdemos. Olho o céu cansativamente azul, vejo as aves que desconhecem limites e lembro Mia Couto. Talvez seja a presença das imagens de destruição de Moçambique que me desassossegam, talvez a insuficiência de palavras para dizer o que se me cola à pele. Gostava de poder inventar uma nova gramática, uma nova forma de dizer, sem palavras gastas, sem regras que travam o pensamento no dique dos possíveis. Na minha gramática por inventar, tão minha, toda a poesia haveria de correr na liberdade de não ter, nunca, de chegar a lugar algum.
Às vezes apetecia-me meter algumas palavras na máquina de lavar a roupa, escolher o programa mais quente, e retirá-las encolhidas e sem serventia. No mesmo programa, poupando água, enfiaria os preconceitos, as verdades alheias, as distâncias impostas e as mil hipocrisias sociais. Havia de as deixar secar qual o peixe na Nazaré, depois, com que prazer as olharia imprestáveis!

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