sábado, 10 de abril de 2010

Ridículas

"Todas as cartas de Amor são ridículas", diz o meu Poeta. E eu tenho saudades dos tempos em que, felizmente ridícula, enchia cuidadosamente a caneta com tinta Parker castanha, escolhia um papel suave e, sentada à eterna camilha, escrevia cartas de amor. Então, os CTT funcionavam, lentos claro, mas levavam e traziam novidades, saudades, presenças ausentes. Abrir uma carta era, para mim, uma ridícula emoção. Às vezes, guardava o envelope, adiava o momento, e só mais tarde lia o que me segredavam.
Então, escreviam-me amigas, familiares, amores adolescentes também. Eu escrevia longas cartas. Aliás, eu hoje ainda escrevo longas cartas, respeitando o ritual da tinta, para quem tem porventura o tempo ridículo para me ler. No entanto, é raro receber cartas ridículas. Agora, seja em correio azul, verde, normal, ou anormal (o mais frequente) os envelopes que recebo trazem, a maioria das vezes, contas, facturas, informação que, mesmo que não ridícula, eu de boa vontade dispensaria. Hoje, os meus amigos, o meu Amor, enviam emails rápidos, ora exclusivos, ora reencaminhados em forwards que o estrangeirismo torna ainda mais ridículos...
Com a alma pegajosa e o olhar absurdamente húmido, hoje apeteceu-me ser ridícula e escrever uma carta daquelas que o meu Poeta apelida de ridículas. Apeteceu-me escrever ao Amor, com tinta castanha, e fi-lo de novo sentada à camilha.
Falei-lhe da Primavera atrasada, do acidente do Buda, do comprimento angustiantemente longo das noites em que ele não está. Contei-lhe do cheiro a mar, do desejo de partir, da vontade de fugir do quotidiano que cumpro. Disse-lhe, sem sequer precisar de rasurar a escrita, do desgaste das memórias que constantemente desfio. Contei-lhe, também, dos meus desejos, dos inconfessáveis e profundos. Depois de soprar a tinta para que secasse depressa (não tenho mata borrão!)meti a carta no envelope amarelo e escrevi uma direcção comprida com a certeza, de facto ridícula, de que dificilmente chegará ao seu destino.
Hoje, lembrei-me que o meu Poeta também diz que "Só quem nunca escreveu uma carta de amor, é que é ridículo"!

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