terça-feira, 18 de dezembro de 2018

OS POBRES

A despersonalização, o esbater da identidade de cada um em nomes comuns é, para mim, algo que fere. Nesta época de Natal, quando os corações andam mais amolecidos e a vontade de ser mais humano se faz sentir, penso que a desidentidade dos mais desfavorecidos devia ser extinta. 
Os pobres. 
Quem são os pobres? Dizemos, eu digo, os pobres, como se me referisse a uma contingência, a uma massa anónima feita de uma colectividade de infelicidade. 
Quem são os pobres? Os que têm uma sopa e refeição melhorada num qualquer lugar das cidades, os que nada têm e vivem o Natal como se fosse Agosto ou desgosto?  
Os pobres. Os pobres têm rosto, são gente que, muitas vezes, foi esquecida de ser pessoa.
Os pobres têm sonhos, desejos e consciência da sua falta de muita coisa. Olhar os pobres devia implicar saber-lhes o nome, a história, as razões e os sonhos rasgados, muitas vezes, pela desumanidade reinante.
É Natal. E eu, no cómodo calor da minha insónia, lutando comigo mesma por erros tão sem sentido, penso no Manel, na Rita, no Ambrósio, no Marcelino, na Conceição, na Fátima, nos muitos nomes sem rosto que enchem a palavra pobres. Como será o Natal das mulheres que não têm comida para dar aos filhos? Como será o Natal dos que sofrem na solidão e vêem, de fora, os reflexos da felicidade alheia? Cada um dos singulares que fazem o plural da miséria - pobres - tem uma história para contar. Aquele veio de longe, num barco clandestino, numa terra onde não havia frio e por isso não usava sapatos; este perdeu o emprego, veio a bebida, os consumos, perdeu os dentes, a razão e o medo, sobrou a vergonha; a outra fugiu de uma vida violenta, pede esmola com o filho ao colo. E é Natal, por isso há que aproveitar, os não-pobres dão mais nesta altura...
Os pobres têm nome. Os pobres são gente.

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