sexta-feira, 2 de abril de 2010

6ªFeira Santa

É Páscoa. Em teoria, tempo de família, de paz, de reflexão e oração. Na prática, é tempo de descanso, de cabrito, e de alguma tranquilidade.
Para mim, a Páscoa é agora, sobretudo, tempo de mil memórias, de incontáveis recordações. Lembro já muitas Páscoas, afinal já vivi meio século!, e cada uma delas surge purificada pelo tempo e carregada de sentires.
Quando eu era miúda, bem pequena, neste dia não se comia carne cá em casa. (lembro-me que, uma vez, comi uma empada num café e, quando me lembrei que aquilo era carne, fiquei angustiadíssima...) Era a 6ªfeira também a data escolhida para se matar o cabrito que seria comido no Domingo de Páscoa. Era hábito, então, os doentes oferecerem cabritos ao meu Pai e, nesses dias, o galinheiro transformava-se quase num curral. Eu ía ver os bichos, às vezes muito pequeninos, e arrepiava-me quando ouvia garantir que quanto mais pequeninos, melhores; que cabrito de mês e leitão de três. Não percebia porque se tinha de matar o cabrito, ou sequer o que significava o carneiro pascal. Ainda hoje, confesso, me faz muita aflição ouvir o balir dos cabritos que, no sábado de aleluia, enchem o largo do Mercado da minha cidade. Sacrifícios à parte, a Páscoa fazia-se de casa cheia e muita agitação. Íamos todos à missa, o meu Pai repetia a história de quando, criança, participava nas procissões batendo com as velas nas cabeças dos amigos e sendo, entre duas Avé Marias, repreendido, ou esbofeteado, pelo senhor padre...
Já mais crescida, a sexta-feira Santa marcava-me pelo toque da sirene, às três horas, lembrando a morte do Senhor. Os cães cá de casa, e os das redondezas, uivavam desesperados ouvindo a sirene, e eu sentia uma coisa esquisita, uma vontade de ter Fé misturada com uma imensa pena por Jesus Cristo, o meu herói, ter sido tão violentamente maltratado pelos homens.
Lembro-me de me sentar na rua, no muro, com as minhas filhas pequeninas ao colo, surpresas e aflitas com o silêncio que antecedia as três horas, explicando-lhes o simbolismo da sirene. Lembro-me da Filipa dizer que tinha muita pena do Jesus, e da Joana quase chorar com medo da sirene.
Hoje, a sirene tocou de novo e eu desfiei saudades e memórias. Hoje, a sexta-feira Santa esgotou-se em lembranças e muita confiança num futuro melhor. Se Páscoa é, também, renovação, este ano eu vivo-a plenamente!

3 comentários:

  1. Mãe querida, tb eu me lembro de tudo isso! São memórias que nos preenchem a vida. Mas agora é tempo de criar memórias para o Manel Bernardo.Ontem às três horas (e mesmo de o MB, indiferente à morte do seu amigo Jesus, ter resolvido que queria beber o leite!!) apertei-o bem ao mue colo e baixinho contei-lhe as minhas memórias de Páscoa...
    Adoro-te

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  2. Querida, eu lembro-me disso... Lembro de me encolher no teu colo, lembro-me do avô a contar as divertidas aventuras das velas... Este ano os cães não uivaram (estão mais corajosos) e eu não fui para o teu colo,mas estivemos juntas e sempre com a Tá e o MB no pensamento. Tens meio século? optima altura para novos viveres e novas recordações!! Beijo Mãe

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  3. Parabéns pelo neto MB:) um Beijo de saudade muito especial para a Filipa...

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