domingo, 16 de setembro de 2018

Pequenos Vícios

Era uma mania, quase vício, aquela de chegar a casa, tirar os sapatos e vestir uma camisa dele. Ficava com o rabo quase de fora, enrolava as mangas e gostava de cirandar, arrumando, cozinhando, no tempo da dita sempre com um copo de gelo e sumo de melancia. Ele desistira de reclamar. Aquela camisa era mesmo a que gostava de vestir em momentos marcantes, a outra a mais confortável, mas ela ria-se sempre prometendo não sujar. Se ele insistisse no protesto, a resposta saía certeira:- Se sujar, eu lavo! 
E pronto, como explicar-lhe que, muitas vezes, sentia o perfume dela a desinquietá-lo no trabalho, a provocar-lhe saudades durante o dia? Depois, havia aquela outra mania, dela também, de deixar os botões de cima por abotoar para lhe atiçar o desejo. 
Pensava tudo na desordem das emoções enquanto reparava no espaço que sobrava agora no roupeiro, nas camisas friamente passadas e penduradas, na ausência dos sapatos deixados no hall que o faziam tropeçar. Sim, eram tudo pequenos pormenores que faziam enorme a vida dos dois. Agora, tudo sobrava na arrumação da vida inexistente. 
Porque ela não estava mais. Porque, indecentemente, a vida decidira mostrar-lhe que nada é para sempre. Nem os pequenos vícios, nem o rabo um bocadinho à mostra...

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