quarta-feira, 27 de maio de 2020

OS RAPAZES

Nesta vida de ser professora, nas muitas leituras que faço, conferências a que assisto, as raparigas e os riscos de uma educação estereotipada são temas frequentemente abordados. Que as raparigas, em muitas escolas e mais lares ainda ouvem frases como és uma mulher, tens de cuidar da casa, ou isso não é emprego para uma senhora, ou ainda, essas brincadeiras são de rapaz, dizem os estudos recentes.  Estes estudos pretendem servir para nos alertar para a necessidade de uma pedagogia de inclusão e igualdade, num mundo que deve tentar eliminar diferenças que implicam segregação. Assim, de um modo geral, eu concordo. 
Mas, hoje, tenho pensado nos rapazes. Esses, por alguma razão, provavelmente porque a história das sociedades e mentalidades sempre os colocou no lugar de liderança, parecem não preocupar os teóricos da educação.
A mim, preocupam-me!
Porque existe o hábito de dizer que um homem não chora, de tentar inibir a expressão das emoções de um rapaz? Porque é que alguns pais, e alguns professores, valorizam a resistência e força físicas dos rapazes em detrimento da sua emoção e sensibilidade? Porque é que um rapaz não pode sofrer, e chorar, por um desgosto de amor, ou uma ferida no joelho? Porque é que um rapaz não pode gostar que o abracem e lhe dêem mimo? Porque é que um rapaz não deve ter medo?
Sou avó de dois rapazes, professora de centenas deles ao longo dos meus 36 anos de carreira e nunca vi que, tal como diz António Gedeão no poema "Lágrima de Preta", nas lágrimas deles houvesse mais do que água e cloreto de sódio. 
Defendo que devemos deixar os rapazes expressarem sentimentos, emocionarem-se, dizerem as palavras macias com que se fala de amor. Não gosto de ouvir um pai dizer a um filho que, porque é homem, tem de ser forte e proteger a irmã. Todos devíamos proteger-nos uns aos outros. 
Já é tempo, creio, de aceitarmos que os sonhos não têm sexo e que cada pessoa deve viver os seus como entender. Não concebo que, em pleno século XXI, na era da internet e do Corona Vírus, haja escolas só para rapazes e outras só para raparigas. 
Como seria o arco-íris, se apenas tivesse duas cores?

1 comentário:

  1. Obrigado pela reflexão que aqui colocou, Professora. Desde os meus 6 anos (possivelmente) que me tenho vindo a perguntar porque é que o sexo masculino têm de ser intimado, pela sociedade, a esconder sensibilidade e emoção. É uma cultura de estereótipos muito problemática que causa muito sofrimento a muita gente.

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